Christiane F.: aos 46 anos, mídia alemã relata sua volta às drogas
Em setembro de 1978, revista alemã "Stern" abalava a nação com reportagem sobre a vida de Christiane Vera Felscherinow. Trinta anos depois, mídia alemã informa que Christiane F. voltou às drogas e perdeu guarda do filho.
Reportagem da revista 'Stern' abalou o país
Em fevereiro de 1978, uma das testemunhas de um processo judicial contra um homem de negócios que pagava prostitutas juvenis com heroína, em Berlim, chamou a atenção dos jornalistas da revista Stern Kai Hermann e Horst Rieck. "Ela era uma menina extremamente inteligente", declarou Hermann anos mais tarde.
Os jornalistas logo notaram o precioso material que tinham em mãos. Uma tarde de entrevistas transformou-se em dois meses de pesquisas, gravações e visitas a locais habitados pelo vício, pelo tráfico e pela prostituição.
Em fins de setembro do mesmo ano, a revista Stern publicava a reportagem e o livro que abalaram toda uma nação: Christiane F. - Wir Kinder vom Bahnhof Zoo, título traduzido no Brasil como Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída.
Christiane Felscherinow tinha somente 15 anos ao ser entrevistada pelos repórteres, mas também tinha muita coisa para contar, e o fez minuciosamente. Traduzido para 15 línguas, o livro virou best-seller em mais de 30 países. Em abril de 1981, estreava o filme homônimo dirigido por Ulrich Edel, estrelado por Natja Brunckhorst no papel de Christiane, com a participação de David Bowie. Sua música Heroes tornou-se, praticamente, a canção-tema do filme.
Com a idade certa, na hora certa e na cidade certa, Christine F. tornou-se uma heroína. Ela deu rosto a uma geração pós-hippie e pré-niilista, que procurava nas drogas acalanto para seu desamparo familiar e social. Hoje, aos 46 anos, Christiane Felscherinow voltou às manchetes da mídia. E é a mesma revista Stern que informa sobre sua volta às drogas e a perda da guarda de seu filho.
Com a atenção desviada pela Guerra Fria e pelo terrorismo da RAF, a sociedade alemã dos fins dos anos 70 ficou bastante abalada ao saber da existência de crianças como Christiane F.: aos 12 anos de idade, já fumava haxixe. Aos 13 anos, tomou seu primeiro "pico" de heroína. Aos 14, prostituía-se para pagar o vício. Aos 6 anos de idade, Christiane mudou-se do norte da Alemanha para Berlim, onde morava em Gropiusstadt, colosso habitacional proletário de 18,5 mil moradias no bairro de Neukölln.
Com a separação dos pais, sua segunda casa logo se tornou a Bahnhof Zoo, ou estação ferroviária do Jardim Zoológico, lugar de encontro de traficantes e adolescentes que se prostituíam para financiar o vício. Além de haxixe e LSD, a heroína era a droga do momento.
Se hoje um "pico" de heroína pode ser comprado por 10 euros no novo ponto berlinense de encontro de viciados e traficantes – a estação de metrô de Kottbusser Tor em Kreuzberg, "Kotti" para os íntimos – há 30 anos a situação era bem diferente. A mesada não bastava. Aos 14 anos, Christiane se prostituiu e também viu como seus amigos morriam um após o outro.
O livro e o filme homônimo sobre a vida da adolescente que revelou a miséria das grandes cidades alemãs ganhou o mundo e tornou-se leitura obrigatória nas escolas. No final, após tentativa de suicídio, Christiane foi enviada por sua mãe para morar com a avó numa cidadezinha perto de Hamburgo, onde se recuperou.
"Viciados se atraem"
Natja Brunckhorst no papel de Christiane F.
No entanto, o final feliz mostrado tanto no livro como no filme não durou para sempre. Ao atingir a maioridade, no início dos anos 80, Christiane mudou-se para Hamburgo, onde participou da cena punk. Juntamente com seu novo companheiro, Alexander Hacke, guitarrista da banda alemã Einstürzende Neubauten, Christiane iniciou carreira de cantora, participando também de alguns filmes como atriz. Fez turnê pelos EUA e conheceu gente famosa como Nina Hagen. Sem sucesso, ela voltou às drogas.
Com 400 mil marcos [cerca de 200 mil euros] provenientes do seu livro para reiniciar a vida, ela foi acolhida por uma família de editores suíços. No entanto, Christiane logo se cansou de ser "uma boneca para mostrar", como declarou a um jornal suíço. Enquanto celebridades como Friedrich Dürrenmatt e Federico Fellini circulavam por sua nova casa, Christiane procurava drogas na estação ferroviária central de Zurique.
De volta a Berlim, ela foi presa com drogas pela polícia, tendo que passar dez meses na prisão. Passado este período, Christiane F. conheceu um novo amor, mudando-se com ele para a Grécia em 1987, onde viveu até 1993. O antigo pastor também era viciado em heroína. "Viciados se atraem", declarou Christiane à revista Stern.
Volta às drogas
Kai Hermann ainda se encontra com Christiane F.
Depois de várias terapias, Christiane voltou para a Alemanha em 1993. Três anos mais tarde, teve um filho de um homem que conheceu num programa de tratamento de viciados com o medicamento Metadon. Num programa da TV alemã, no ano passado, ela declarou que há 15 anos não tomava mais drogas, mas precisava de uma dose diária do analgésico usado no tratamento de dependentes de heroína. Seu filho era seu seguro de vida, afirmou.
Nos últimos anos, Christiane e seu filho moraram em Teltow, pequena cidade do estado de Brandemburgo, próxima a Berlim. Seu livro e filme ainda lhe rendem 20 mil euros anuais, de forma que não precisa trabalhar. Conheceu um novo amor e, de um dia para outro, buscou o filho na escola para levá-lo para Amsterdã junto com o novo namorado. O juizado de menores interveio e retirou-lhe o filho à força.
Segundo a Stern, ela teria sido vista recentemente na região de Kottbusser Tor, à procura de drogas, informação ainda não confirmada pela polícia, acresceu a revista. O certo é que Christiane Felscherinow perdeu a guarda de seu filho nascido em 1996. "Ela não pode mais responder pela educação e pelo cuidado da criança", informou o juizado de menores de Potsdam-Mittlemark. Tudo indica que o menino ficará sob os cuidados da avó, como outrora o foi Christiane.
Carlos Albuquerque
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